As turmas de Pré, do período da tarde da Escola Municipal Irati, estão realizando o lanche em um espaço organizado na parte externa da escola com propostas simultâneas. Esta prática nasce de estudos e reflexões realizados pelos professores e pedagoga, juntamente com o apoio do NRE CJ e Instituto Avisa-lá. Esta prática vem se consolidando de forma satisfatória e efetivando os Parâmetros e Indicadores de Qualidade para as Escolas com Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
Com esta atitude favorecemos às nossas crianças a autonomia, a interação e a socialização entre elas, pois as duas turmas de Pré lancham juntas em período estendido em relação ao Ensino Fundamental, respeitando o tempo de cada criança e fazendo deste ato um momento prazeroso. Estamos avaliando a possibilidade de ampliar esta prática para o período da manhã.
Algumas fotos:
Certa manhã a
turma do Pré foi brincar no gramado
do CMEI, em poucos instantes ouvimos os gritos das crianças nos chamando para
ver um “bicho grandão” na árvore de
amora, e quando chegamos lá nos deparamos com uma enorme lagarta. Percebemos que o medo das crianças era maior
que a curiosidade, então com um galho pegamos a lagarta e a colocamos em um pote transparente, assim as
crianças poderiam observá-la com segurança.
Reunimos as crianças para
conversarmos sobre a lagarta e a professora Gisele sugeriu organizar o pote em
que ela estava para não morrer. Com as crianças arrumamos uma caixa maior,
colocamos areia, pequenos galhos e muitas folhas. A tampa foi feita com
plástico transparente e pequenos furos para entrar ar. Levamos para nossa sala
o nosso “presente”. Decidimos realizar uma sequência didática para descobrirmos
com a turma “o segredo da lagarta”.
Um belo dia, ainda pela manhã, uma
das crianças me chamou pra ver o que estava acontecendo no pote da lagarta, e
adivinha?... Ela estava soltando a pele e em volta de seu corpo estava se
formando um casulo. As crianças adoraram perceber as mudanças.
Com o passar dos dias a ansiedade
das crianças foi se acalmando, mas o interesse continuava, e todos os dias
fazíamos a observação da transformação da lagarta. Numa manhã chegamos ao CMEI
e uma linda borboleta estava quase toda para fora de seu casulo. As crianças
voltaram a ficar eufóricas com a novidade, “ela saiu da casquinha” dizia a
Kiara! Combinamos que iríamos sair para soltar a borboleta. E assim fizemos;
soltamos a borboleta e ficamos observando o que aconteceria; ela pousou em um
arbusto onde ficou o dia todo depois seguiu seu caminho.
Foi uma experiência incrível para as
crianças e para nós professoras, superando nossas expectativas. Conseguimos observar o processo completo da
lagarta virando borboleta. As aprendizagens foram muitas! Todas as certezas passaram
a ser incertas e confusas, mas a beleza da borboleta nos fez esquecer o medo
que foi a primeira sensação experimentada com esta prática.
Brincando a criança é capaz de desenvolver sua imaginação, a confiança em si mesma, a capacidade de cooperação e outras habilidades.
Vivenciando situações de brincadeiras e de jogos a criança começa a diferenciar conceitos de certo e errado, percebe a existência dos limites e vai se adequando às diferentes situações sociais.
“Durante as brincadeiras, a criança se constrói, experimenta, pensa, aprende a dominar a angústia, a conhecer o próprio corpo, a compor sua personalidade e é nessa hora que ela exprime toda a sua criatividade.” (Nicoletti e Filho, 2004)
Durante o 4° encontro de formação para os CMEIs tivemos ricos momentos de reflexão sobre o olhar viciado dos adultos... Deixamos aqui a crônica do Rubem Alves e o vídeo "Caminhando com Tim Tim" utilizados na formação como disparadores...
O olhar adulto
Rubem Alves
Foi ele mesmo que me contou, como confissão de cegueira,
dando depois permissão para que eu relatasse o milagre
desde que não revelasse o santo. Médico, chegou a seu
consultório com seus olhos perfeitos e a cabeça cheia de
pensamentos.
Eram pensamentos graves, cirurgias, hospitais, e os doentes
o aguardavam na sala de espera. Entrou o primeiro paciente
que se submeteu mansamente à apalpação médica.
Terminada a consulta, escrita a receita, no ato de despedida
ele fez um elogio: “Doutor, que lindas são as orquídeas na
sua sala de espera!”
Meu amigo sorriu embaraçado, com vergonha de dizer que
não havia notado orquídea alguma na sala de espera e que,
portanto, nada sabia da beleza que o doente notara. Teve
vergonha de revelar sua cegueira. Entrou o segundo
paciente. Ao final da consulta, sem conseguir conter o que
sentia, observou: “São maravilhosas as orquídeas na sua sala
de espera, doutor!” Novamente o sorriso amarelo, sem
poder dizer o que não sabia sobre as orquídeas que não
havia visto.
Veio o terceiro paciente e a coisa se repetiu do mesmo jeito.
Aí o doutor deu uma desculpa, saiu da sala, e foi ver as
orquídeas que o jardineiro colocara na sala de espera. Era,
de fato, lindas. Mas aí veio o agravante, pois o paciente, não
satisfeito com a humilhação imposta ao doutor cego,
observou que, na semana anterior, a árvore dentro da sala de
consulta, plantada num vaso imenso, num canto, não era a
mesma que ali estava, naquele dia. Mas o doutor cego de
olhos perfeitos não notara a presença da árvore naquele dia
nem a presença da árvore na semana anterior...
Ah! Você se espanta que tal cegueira possa existir! Mas eu lhe garanto que é assim que
funcionam os olhos dos adultos em geral.
Lá vão pelo caminho a mãe e a criança, que vai sendo arrastada pelo braço – segurar pelo
braço é mais eficiente que segurar pela mão. Vão os dois pelo mesmo caminho, mas não vão
pelo mesmo caminho. Blake dizia que a árvore que o tolo vê não é a mesma árvore que o
sábio vê. Pois eu digo que o caminho por que anda a mãe não é o mesmo caminho por que
anda a criança.
Os olhos da criança vão como borboletas, pulando de coisa em coisa, para cima, para baixo,
para os lados, é uma casca de cigarra num tronco de árvore, quer parar para pegar, a mãe lhe
dá um puxão, a criança continua, logo adiante vê o curiosíssimo espetáculo de dois
cachorrinhos num estranho brinquedo, um cavalgando o outro, quer que a mãe veja, com
certeza ela vai achar divertido, mas ela, ao invés de rir, fica brava e dá um puxão mais forte,
aí a criança vê uma mosca azul flutuando inexplicavelmente no ar, que coisa mais estranha,
que cor mais bonita, tenta pegar a mosca, mas ela foge, seus olhos batem então numa
amêndoa no chão e a criança vira jogador de futebol, vai chutando a amêndoa, depois é uma
vagem seca de flamboyant pedindo para ser chacoalhada, assim vai a criança, à procura dos
que moram em todos os caminhos, que divertido é andar, pena que a mãe não saiba andar
por não ter olhos que saibam brincar, ela tem muita pressa, é preciso chegar, há coisas
urgentes a fazer, seu pensamento está nas obrigações de dona de casa, por isso vai dando
safanões nervosos na criança, se ela conseguisse ver e brincar com os brinquedos que moram
no caminho, ela não precisaria fazer análise...
A mãe caminha com passos resolutos, adulto, de quem sabe o que quer, olhando para frente
e para o chão. Olhando para o chão, ela procura pedras no meio do caminho, não por amor
ao Drummond, mas para não dar topadas, e procura também as poças d’água, não porque
tenha se comovido com o lindo desenho do Escher, de nome Poça d’água, uma poça de
água suja na qual se refletem o céu azul e os ramos verdes dos pinheiros, ela procura as
poças para não sujar o sapato. A pedra do Drummond e a poça d’água suja do Escher os
adultos não vêem, só as crianças e os artistas...
A mãe não nasceu assim. Pequenina, seus olhos eram iguais aos olhos do filho que ela
arrasta agora. Eram olhos vagabundos, brincalhões, que olham as coisas para brincar com
elas. As coisas vistas são gostosas, para ser brincadas. E é por isso que os nenezinhos têm este
estranho costume de botar na boca tudo o que vêem, dizendo que tudo é gostoso, tudo é
para ser comido, tudo é para ser colocado dentro do corpo. O que os olhos desejam é
realmente comer o que vêem. Assim dizia Neruda, que confessava ser capaz de comer as
montanhas e beber os mares. Os olhos nascem brincalhões e vagabundos – vêem pelo puro
prazer de ver, coisa que, vez por outra, aparece ainda nos adultos no prazer de ver figuras.
Mas aí a mãe foi sendo educada, numa caminhada igual a essa, sua mãe também a arrastava
pelo braço, e quando ela tropeçava numa pedra ou pisava numa poça d’água, porque seus
olhos estavam vagabundeando por moscas azuis e cachorros sem-vergonha, sua mãe lhe dava
um safanão e dizia: “Olha pra frente, menina!”
“Olha pra frente!” Assim são os olhos adultos. Olhos não são brinquedos, são limpa trilhos.
Servem para abrir caminhos na direção do que se deve fazer. Assim eram os olhos daquela
minha amiga que os usava para cortar cebola sem cortar o dedo, até que, um dia, o olho que
mora dentro dos seus olhos se abriu e ela viu a beleza maravilhosa do vitral translúcido que
mora nas rodelas de todas as cebolas, e ela tanto se espantou com o que via que pensou que
estava ficando louca...
Coitados dos adultos! Arrancaram os olhos vagabundos e brincalhões de crianças e os
substituíram por olhos ferramentas de trabalho, limpa-trilhos. Assim, eram os olhos daquele
meu amigo médico: não viam nem as orquídeas nem as árvores que estavam dentro do seu
consultório. Seus olhos eram escravos do dever. E ele não percebia que as coisas ao seu
redor eram brinquedos que pediam aos seus olhos: “Brinquem comigo! É tão divertido!
Se vocês brincarem comigo, eu ficarei feliz, e vocês ficarão felizes...”
*Fonte: Rubem Alves. O olhar adulto (A festa de Mar Rubem Alves. O olhar adulto (A festa de Maria). Rubem Alves. O olhar adulto (A festa de Maria). São ia). Paulo: Campinas, 1999, pág.
12-14.
Vídeo: Caminhando com Tim Tim...
"Afinal que olhos são esses que vêem o que os nossos olhos não enxergam?"